28,86%: Panorama Histórico e a Judicialização da Isonomia Remuneratória frente à Resistência da União
3/9/20254 min read
Mais que um número, os 28,86% simbolizam uma longa trajetória de reivindicação por justiça salarial. Neste artigo, analisamos os marcos jurídicos e institucionais dessa luta histórica pela equiparação remuneratória dos servidores públicos federais.
Em 1993, foi concedido reajuste à remuneração dos servidores públicos federais civis e militares com a promulgação da Lei nº 8.622/1993. Entretanto, alguns militares de alta patente receberam reajuste com o índice de 28,86%, enquanto servidores civis e demais militares, conforme disposto na Lei nº 8.627/1993, tiveram critérios distintos de reposicionamento nas tabelas de vencimento, resultando em clara quebra da isonomia remuneratória, configurando-se, portanto, uma discriminação injustificada.
Nesse contexto, surgiram em todo o Brasil ações distribuídas entre seus cinco Tribunais Regionais Federais, propostas por sindicatos das respectivas categorias prejudicadas, destacando-se servidores da Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Banco Central do Brasil. No âmbito das universidades públicas, também se destacaram mobilizações de servidores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), todas com o objetivo comum de ver reconhecido o direito à equiparação remuneratória decorrente do percentual de 28,86%.
As referidas ações tinham como fundamento a violação da isonomia prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, em sua redação original (anterior à Emenda Constitucional nº 19/98), que assegurava igualdade de remuneração para servidores públicos civis e militares que exercessem funções semelhantes ou idênticas. A título de exemplo de como as categorias se mobilizaram para viabilizar a revisão remuneratória, destacam-se essas iniciativas, que espelham a amplitude e a legitimidade da reivindicação em diversas esferas da administração pública federal.
No decorrer dessas ações, diversas questões referentes ao pleito foram suscitadas pela União, ré nas demandas judiciais. Para dirimir tais questões, foi necessária a pacificação pelo Supremo Tribunal Federal – STF, incluindo o reconhecimento definitivo do direito dos servidores e a legitimação processual dos sindicatos como representantes dos servidores públicos.
Inicialmente, o entendimento jurisprudencial predominante indicava que o reajuste seria restrito apenas aos militares, excluindo a possibilidade de extensão por via judicial, conforme Súmula Vinculante nº 37 (à época Súmula 339/STF), que proibia ao Poder Judiciário aumentar vencimentos com base no princípio da isonomia, devido à ausência de competência legislativa para tal.
Entretanto, tal entendimento foi alterado em 1997, quando o STF deu provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.307-7/DF, anteriormente prejudicado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, fundamentando-se na ausência de lei específica que justificasse a revisão dos vencimentos pelo índice de 28,86%. A argumentação trazida pelo sindicato autor nas ações demonstrava que servidores do Poder Legislativo, Poder Judiciário, Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal receberam administrativamente o mesmo índice remuneratório requerido judicialmente pelos demais servidores, comprovando assim a identidade fático-jurídica das demandas.
A referida vitória jurisprudencial estabeleceu que todos os servidores públicos civis federais faziam jus à percepção do índice de 28,86% sobre suas remunerações no período entre janeiro de 1993 e junho de 1998, com base na isonomia constitucional. Essa compreensão foi reforçada pela edição da Medida Provisória nº 1.704/1998, que reconheceu explicitamente esse direito.
Todavia, apesar do reconhecimento jurídico, os servidores enfrentaram diversas dificuldades práticas para a efetivação dos seus direitos. A União continuou a apresentar questionamentos sobre sua legitimidade processual e outras questões formais, ocasionando reiteradas paralisações processuais que perduraram por anos. Apenas em 2007, com um posicionamento mais firme do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribunal de Justiça, essas barreiras jurídicas foram superadas.
Além das questões jurídicas já resolvidas, a União continua a invocar o embate entre interesse público e privado, frequentemente questionando o reconhecimento dos direitos dos servidores públicos federais. Ignora-se, assim, que o direito à igualdade remuneratória foi reconhecido após um longo e desgastante processo. Observa-se que, sob a justificativa da prevalência do interesse público na contenção de gastos, a litigância por parte da União busca minimizar os efeitos financeiros da demanda, mesmo em prejuízo ao direito já reconhecido aos servidores.
Portanto, embora o presente artigo não ignore a relevância do interesse público, questiona-se a estratégia litigiosa adotada pela União, que gera uma significativa protelação processual, elevando substancialmente os custos das ações judiciais, além de utilizar o extenso lapso temporal como argumento de prescritibilidade, contrariando direitos já sedimentados na jurisprudência pátria.
Por fim, cabe destacar que ainda persistem discussões processuais nas ações relativas aos 28,86% em todo o país, algumas completando mais de 26 anos em tramitação. Essas discussões prolongadas possuem o potencial de influenciar negativamente outros processos correlatos, criando insegurança jurídica, risco à efetiva satisfação do direito reconhecido e contribuindo para uma indesejável demora na resolução dos conflitos judiciais.
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